segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Educar, corrigindo


Muitas vezes, vejo-me também a clamar contra a falta de educação dos jovens.
Alguns apontam a culpa aos pais, enquanto outros responsabilizam os professores. Continua a velha questão acerca da função da escola que, nunca podendo substituir a família, deve prosseguir e complementar o processo de desenvolvimento das regras de civilidade e boa conduta que o jovem recebeu em casa.

Ninguém poderá negar a responsabilidade máxima dos pais. Cabe-lhes ensinar e corrigir a criança que, desde a mais tenra idade, procura satisfazer os seus caprichos/instintos.

A partir do século XVIII, alguns pedagogos interpretavam a função correctiva dos progenitores como um sinal de amor. Era esta a transposição da mentalidade burguesa para a pedagogia. Daqui nasceram, no entanto, muitos excessos de educadores, os quais aplicavam castigos pesados com a anuência da família. Casos da realidade histórica e da ficção perpassam no registo de múltiplos colégios existentes na Europa. E este não é, seguramente, o modelo de educação que defendo...

Não basta corrigir ou até castigar a criança, antes torna-se necessário criar à sua volta um ambiente calmo e de ternura que favoreça a aprendizagem de gestos, comportamentos e atitudes.

Observando a Matilde, o elemento mais novo da família, tenho de concluir que há ainda muitos pais que levam a sério a educação dos filhos. Com apenas 19 meses, revela uma personalidade forte e, este Verão na praia, divertiu-se a experimentar os sapatos de quase todos os adultos da família. Acto normal e com alguma graça que ninguém contrariou, mas isso nem sempre acontece. Registo dois exemplos. O primeiro relativo aos desenhos animados que ela gosta de ver e rever, o segundo, a resposta aos sucessivos pedidos de mais uma batata frita. À recusa peremptória dos pais, a Matilde faz cara séria, baixa a cabeça e de mãos atrás das costas, regressa aos brinquedos.

Criou já hábitos de higiene, como o lavar as mãos antes de comer. Mas há dias, o Avô não percebeu a sua teimosia em voltar para o bidé, onde abria a torneira... Tudo isto não passou de um pequeno equívoco, já que esse era um gesto autorizado pelos pais, uma vez ser esta a única torneira acessível à sua baixa estatura.
Nada de muito grave no presente caso, mas ainda assim relevante da necessidade de uniformizar critérios em educação.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Sentir o envelhecimento

Velho casal, olhando o mar
Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o significado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso também é velhice.
Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer... Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes.
A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente.
Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice.

Mais uma vez, recorri a Sándor Márai. Desta vez, a descrição do envelhecimento. Fenómeno lento e irreversível que, no entanto, devemos retardar. É pelo menos, o que procuro fazer, combatendo as limitações físicas, mentais e emocionais próprias da idade. Quero continuar activa, pensando e sentindo o mundo que gira à minha volta...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Violência na escola


A violência voltou à Finlândia. Abstenho-me de contar os pormenores deste massacre que deixou o mundo em estado de choque. O jornal Público interroga "como foi possível no país modelo?" Pergunta que deve merecer reflexão, inquirindo as causas de tanta violência.

Atrevo-me a apontar algumas: a crise da sociedade, a perda de valores, a desestruturação da família, a violência e intolerância, a permissividade da sociedade e do Estado.
A liberalização do direito ao porte de armas é bem a tradução da imagem do mundo actual, onde o ódio substitui o diálogo, tudo resolvendo pela força. E se isto não bastasse (ou por causa disso), o cinema e a televisão "bombardeiam-nos" com filmes violentos e a Internet responde igualmente com a brutalidade de conteúdos, os quais podem ser livremente postados e visualizados...

Chegou o momento da intervenção do Estado e do apelo à colaboração da família e das instituições. É preciso agir bem e depressa. No entanto, a questão de fundo reside numa coisa tão simples, a falta de afecto e solidariedade.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Islamabad






Hotel Marriot em Islamabad, entre a primeira imagem e a segunda dista um curto lapso de tempo.
De repente, aconteceu que o Marriot, o mais luxuoso e seguro hotel de Islamabad, caiu estrondosamente num mar de chamas e de gritos. A beleza de outrora, transformou-se num espaço de ruínas incandescentes, de mortos e feridos num país dividido pelo terrorismo e pela gente de boa vontade...

Pobre Paquistão e pobre mundo, onde o homem continua a matar-se e a matar os outros.



Chegou o Outono

Anunciou-se de mau-humor o Outono. E eu que até gosto dos dias outonais, mistura de Sol envergonhado e de penumbra, fiquei desolada. Foram as inundações em Coimbra e depois em Albufeira com toda uma série de prejuízos. É assim a Natureza, imprevisível e inesperada, afrontando tudo e todos...

Desta vez nem a presença de D. Afonso Henriques em Santa Cruz escapou à fúria das águas, impedindo a Missa vespertina deste domingo. Curioso é, no entanto, observar a reacção das pessoas aos prejuízos e em Coimbra recebi mais uma lição de vida. O senhor Fernando Pereira, proprietário de uma loja fronteira a Santa Cruz, ainda esta manhã limpava a lama e reparava os danos, mas sem revolta ou pedido de indemnização. É assim o negócio "com lucros e prejuízos" dizia ele, preparando-se para mais um dia de venda de plantas e flores. Outro lojista, dono de uma casa de pronto a vestir para noivas, contava que tinha sido avisado acerca da tromba de água, porque existe uma grande solidariedade entre vizinhos. E também ele, conformado com os estragos, preparava-se para avaliar os prejuízos.

Quando o mundo destila ódio e revolta, há sempre alguém que recomeça a vida e faz a sua parte. Que bom seria se toda a gente fosse assim...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O valor da amizade

Anikibóbó, filme de Manuel de Oliveira


A camaradagem, o companheirismo, às vezes, parecem amizade. Os interesses comuns por vezes criam situações humanas que são semelhantes à amizade. E as pessoas também fogem da solidão, entrando em todo o tipo de intimidades de que, a maior parte das vezes, se arrependem, mas durante algum tempo podem estar convencidas de que essa intimidade é uma espécie de amizade. Naturalmente, nesses casos não se trata de verdadeira amizade. Uma pessoa imagina que a amizade é um serviço. O amigo, assim como o namorado, não espera recompensa pelos seus sentimentos. Não quer contrapartidas, não considera a pessoa que escolheu para ser seu amigo como uma criatura irreal, conhece os seus defeitos e assim o aceita, com todas as suas consequências. Isso seria o ideal. E na verdade, vale a pena viver, ser homem, sem esse ideal?


Sándor Márai, As velas ardem até ao fim

Sándor Márai



Foi este Verão, em Agosto, que li As velas ardem até ao fim, um livro fascinante. História de amor e da amizade que ocorre num ambiente aristocrático da velha Hungria: espaço e tempo propício à análise da complexidade da natureza humana.
O carácter intimista transforma este romance numa obra universal: reflexão profunda acerca do amor, da amizade e da traição, em resumo, das motivações e vicissitudes que determinam as relações humanas. E acima de tudo, a atitude nostálgica de um velho que permanece agarrado aos valores que a família lhe inculcou.

Seguindo o percurso do autor, que viveu entre 1900-1989, compreendi melhor a composição da personagem central da obra, Henrik. Cansado e desiludido, Sándro Márai sentia-se também velho e desenraizado. Húngaro pelas origens familiares e por nascimento, viu a sua terra sofrer as vicissitudes políticas do século: integrada na Checoslováquia (e hoje parte da Eslováquia). Enfim, incompreendido...
Obra que recomendo vivamente e à qual hei-de voltar, talvez, com a transcrição de alguns excertos.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

E a notícia acontece...



A notícia acontece sempre em função do homem, dos seus interesses, gostos e necessidades. Como se sabe, a notícia é escolha. Ora, reportando fenómenos da Natureza, cujo controlo escapa ao domínio humano, a notícia é uma opção do jornalista que potencia aquilo que o homem produz, cria ou pensa. Umas vezes, faz-se notícia em sentido positivo, relato de de coisas agradáveis e felizes, embora prevaleça o tipo de acontecimentos nefastos: mortes, desgraças, guerras...

Tais considerações levam-nos à reflexão acerca daquilo que, de facto, interessa ao jornalista e, naturalmente, ao receptor da sua mensagem. Mas até que ponto coincidem os pontos de vista do emissor com os do público a quem se dirige? Cada um julgará por si...

Tema que já originou muita reflexão e debate. E assim há-de continuar. Pela minha parte, limito-me à transcrição de um texto que releva o assunto, fazendo o elenco de todo o género de notícias...


"O que é notícia?", lê-se numa parede do último andar do Newsmuseum, o mais recente museu de Washington, inaugurado em Abril. Há uma hipótese de resposta logo ao lado. É uma espécie de índice para a exposição que se desenrola conforme se descem o seis andares. Treze pares de palavras numa parede côncava elencam a matéria de que é feita a história das notícias. Nascimento/morte, guerra/paz, vitória/derrota, rumor/facto, amor/ódio, crime/castigo, destruição/invenção, sabedoria/ignorância, verdade/mentira, descoberta/perda, riqueza/pobreza, lealdade/traição, trabalho/diversão. Como quem diz: tudo pode ser notícia.

Filipe Santos Costa, Aqui a notícia é o jornalismo in Actual, Expresso, 6 de Setembro 2008.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

S. Martinho do Porto



Para fugir da confusão da cidade nada melhor que um lugar sossegado e refrescante. Ao longo da costa portuguesa ainda é possível encontrar alguns desses "paraísos" que, aliando o ambiente de paz e tranquilidade, também oferecem os habituais programas festivos.

Optei por um desses lugares: S. Martinho do Porto. E depois, S. Martinho é uma terra pequena e antiga que a prodigalidade divina marcou pela baía calma em forma de concha.

As gerações e gerações que fizeram desta terra a sua estância de férias não resistiram aos encantos de uma praia que, durante muito tempo, foi considerada uma das mais elitistas. Mas S. Martinho evoluiu e hoje transformou-se num espaço democrático, onde parece existir espaço para todos.
Aqui, o dia de praia começa tarde, já que as manhãs de neblina e o apito do farol convidam a fazer mais umas horazitas de sono. Isso não impede as longas caminhadas pelo passadiço até Salir... E agora que acabaram as obras na Marginal é um gosto caminhar ou fazer um passeio pela ciclovia.
Este ano havia uma nova atracção: um comboio que, atravessando a vila de lés a lés, serve os moradores e faculta um belo passeio. Tendo ainda presente a lembrança do velho comboio da Costa da Caparica, apressei-me a experimentar. E gostei muito dessa tarde de Sol, avistando do morro a Praia do Salgado e a Nazaré. Para Sul já não pude desfrutar da mesma nitidez, mas mesmo assim fiquei com um vislumbre da Berlenga...

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Maria Callas



Regressei ao passado com a Exposição no Museu de Electricidade, Maria Callas.
A Cantora será eternamente lembrada pelas magníficas interpretações, mas dela resta também o drama pessoal que viveu. Tendo sido admirada, aplaudida, Maria nunca foi verdadeiramente amada...

Março de 1958, dessa passagem de Maria Callas por Lisboa recordo as imagens da Flama e do Século Ilustrado e os relatos dos que a ouviram no S. Carlos. Aqui fica a lembrança "dessa Violetta", embora não tivesse sido a personagem com quem mais se identificava.

"De certo modo, a Norma parece-se comigo. Aparenta ser muito forte, muito feroz. Na verdade não é, mesmo quando ruge como um leão"

Férias, partir ou ficar?

Azul, amarelo, calor: é assim o Verão. E com ele chega a vontade de partir, especialmente no mês de Agosto. Em demanda do merecido descanso quase toda a gente entra nesse movimento migratório que cruza as estradas do país e atravessa mesmo a fronteira.
Dizem os media que, este ano, os portugueses preferiram as "férias cá dentro". E muito bem, porque não falta oferta para todos os gostos. A beira-mar continua a atrair, embora o campo ganhe (e bem) cada vez mais adeptos. Já outros, impedidos de sair, deixam-se ficar no local de residência e não se julgue que, por esse motivo, sejam menos felizes...
Alguém conhece verdadeiramente a localidade onde vive? Em cada cidade, vila ou aldeia existe uma riqueza em património natural e construído que merece ser apreciado. Se faltam monumentos ou museus, procure-se um sítio aprazível para fugir ao calor rigoroso dos dias quentes de Verão: um jardim, um rio, uma barragem ou uma piscina refrescam o corpo e facilitam o convívio entre residentes e visitantes. E verdade seja dita, muito têm feito os autarcas para agradar aos seus munícipes e cativar forasteiros. Alindam-se parques, equipam-se espaços desportivos e até, onde a Natureza permite, "nascem" praias fluviais...

E depois, as festas. Anunciam-se em todo o lado: procissões, fogo de artifício, arraiais, feiras e mostras de artesanato, festivais de folclore ou de cortejos de cariz económico, touradas... Festa, sempre festa, mescla de religioso e profano, simples pretexto de convívio entre "vizinhos e seus hóspedes". Fazendo gala em bem receber, as nossas gentes repetem os mesmos costumes populares, contam os mesmos ditos e lendas, realçam as manifestações artísticas e económicas da terra onde nasceram. É o "apego arreigado" às origens que assim se manifesta e há-de perdurar!
Por tudo isso, as festas tradicionais não podem acabar e sempre haverá um ou mais voluntários para gerir a boa execução de tais actos. Administradores que, em muitas localidades são chamados "juízes", assumindo-se como verdadeiros mecenas, granjeiam respeito e veneração.
Os emigrantes contam-se entre os mais entusiastas pelas festas populares, que significam o regresso nostálgico à pátria, e muitos oferecem-se mesmo como patrocinadores da organização de tais eventos. Talvez isso represente o cumprimento de uma promessa, mas também não deixa de ser mais uma manifestação pública de sucesso...