Durante a II Guerra Mundial e nos anos imediatos, Portugal assumiu um protagonismo nunca visto. À conta da neutralidade, o país transformou-se num palco privilegiado de encontros políticos, de passagem de espiões e de residência de exilados famosos. Reis e aristocratas, magnatas da indústria e banqueiros conviviam num quotidiano discreto e pacífico em Lisboa e no eixo Estoril-Cascais. É deveras curioso apreciar o registo da presença dessas figuras reais. Num artigo intitulado Vida Boa a do Exílio Real no Portugal de Salazar, o Diário de Notícias do último sábado referenciava alguns episódios. Fica a transcrição de um excerto.
" Orson Welles, em 1946, passou umas semanas no Hotel Palácio, no Estoril, e certa tarde, quando tomava chá, fica deveras espantado com o ambiente: um homem alto, "de porte distinto", de súbito, cativa toda a atenção do pessoal do bar. "Quem é este homem?", quis saber o actor o actor norte-americano. "É o rei de Espanha, senhor". Ao sair do bar, cruza-se com outro homem, os empregados dizem "Majestade", enquanto se respeitosamente se curvam. "É o rei de Itália, senhor". Já na recepção do hotel, ao pedir a chave do quarto, Orson Welles vê um elegante casal e "todo o pessoal interrompe o que está a fazer e inclina-se: "São o rei e a rainha de França, senhor".
Seis anos antes, em fuga para os Estado Unidos, o escritor e aviador Antoine de Saint-Exipéry "ficava no mesmo hotel de Orson Welles. "Lisboa surgiu-me como uma espécie de paraíso luminoso e triste", escreve. O autor de O Principezinho ia, por vezes, ao Casino, perto do Hotel , ver os que jogavam à roleta ou ao bacará conforme as fortunas. Não sentia indignação nem ironia, mas uma vaga angústia. Aquilo que nos perturba no jardim zoológico diante dos sobreviventes de uma raça extinta. (...) Esforçavam-se por acreditar, ligando-se ao passado, como se nada tivesse começado a estalar há uns meses sobre a terra, na cobertura dos seus cheques, eternidade das suas convicções. Era irreal. Lembrava bailado de bonecas.Mas era triste. "
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