Do tempo colhe-se a sabedoria. Sendo testemunha dos acontecimentos, o tempo relativiza as coisas e imprime uma nova expressão à vida. Disso sabe o povo no dito "o tempo é bom conselheiro". Lembrei-me disso ao rever Ana Maria Matute e a ideia-chave dessa entrevista: "A vida é magia".
Ninguém de bom senso pode deixar de concordar com a conhecida novelista espanhola, nascida em 1926 em Barcelona. Por ela passou já muito tempo de vida, anos que marcaram indelevelmente a sua infância. Para o mundo literário transpôs a experiência da vida que será sempre mágica e sem rancores. É a dimensão dessa sabedoria que apetece conhecer na obra da novelista que foi galardoada com o último prémio Cervantes. Dado que em Portugal é ainda quase uma ilustre desconhecida, transcrevo um extracto do jornal i.
"Se ganhasse o Prémio Cervantes desatava aos saltos. Bem... Aos saltos espirituais", disse a escritora Ana María Matute, de 85 anos, ao jornal "El País". Uma semana antes da entrega do galardão mais importante da literatura espanhola, a frase soava a profecia. Mas a sua inseparável bengala não permitiu que materializasse a promessa quando recebeu o Prémio Cervantes 2010. "Sinto-me enormemente emocionada, contentíssima, enormemente feliz e contente porque me deram um prémio que me encanta", afirmou Ana María Matute na quarta-feira quando soube que era a vencedora.
A eterna candidata à mais importante distinção da literatura espanhola é a terceira mulher a receber o prémio que vale 125 mil euros, depois da espanhola María Zambrano e da poetisa cubana Dulce María Loynaz. O Cervantes é entregue de forma alternada a escritores espanhóis e latino-americanos, no ano passado foi para o mexicano José Emilio Pacheco. "Acho que o prémio está mais que bem atribuído, ela merece o Nobel pela obra que tem. Ana María Matute escreve sobre temas sociais, com uma prosa muito poética. Ela consegue pôr-nos os problemas da vida de forma pungente e comovedora", diz ao i Paula Nascimento, editora da divisão portuguesa da Planeta que publica os livros da autora.
Mario Vargas Llosa, amigo da escritora, parece concordar com a editora portuguesa. O Prémio Nobel da Literatura 2010 afirmou à RTVE que Ana María Matute "possui uma das obras mais ricas da literatura contemporânea em língua espanhola".Bosque Publicou o primeiro romance, "Pequeño Teatro", aos 17 anos e recebeu logo o Prémio Planeta. Antes, tinha-se estreado com um conto na imprensa, depois de o pai a autorizar formalmente a publicar. Ficou tão emocionada que comprou quatro exemplares para guardar o "El chico de al lado". "O escritor nasce, não se faz: é uma questão de ser ou não ser", defende a autora que começou a escrever aos 5 anos. Frágil, mas ainda cheia de energia, Ana María Matute está neste momento a terminar o que diz ser o seu último livro. Quanto ao tema, nem uma palavra.Paula Nascimento, a editora portuguesa, defende que o que melhor caracteriza os livros de Matute é a humanidade. "Ela é muito sofrida e aborda os temas mais marcantes da sociedade, da guerra civil espanhola, que viveu, aos sem terra."
Mas há ainda outro lado na literatura da escritora que nasceu em 1925 em Barcelona: o imaginário e a natureza. Com 4 anos quase morreu, com um problema nos rins, e foi passar um período no campo com os avós, em San Mansilla de la Sierra. Aí descobriu o bosque. "A natureza e eu entendemo-nos bem. Pertenço ao bosque", explicou a professora universitária que se divorciou nos anos 60 e ficou sem poder ver o filho durante anos.
Considerada uma das autoras mais importantes da época posterior à Guerra Civil Espanhola - com mais de 40 obras traduzidas em 20 línguas - nunca foi muito famosa em Portugal. Antes da Editora Planeta, outras chancelas nacionais publicaram as suas obras. Pode ser que desta vez o público dê mais atenção à autora intitulada "fada do bosque". A editora Paula Nascimento revelou ao i que vão ser traduzidos mais livros da catalã. Estão em debate vários títulos e em breve se saberá quais são."
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