quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

António Lobo Antunes


Sempre admirei o génio criativo dos artistas: pintores, escultores, músicos, escritores...
Mas ser original não é coisa fácil, requer imaginação, trabalho e muita persistência. Às vezes, acabada uma obra, sente-se a exaustão e angústia ...face à obrigação de continuar a produzir.

Entendo bem o que isso representa para um actor ou um escritor. Para o primeiro é o corte com uma personagem que, durante muito tempo (dias, meses ou até anos), corporizou no palco e, quantas vezes, diariamente o acompanhou. No segundo caso, acontece algo semelhante com a libertação da obra do seu criador que concebeu seres de corpo e alma que viveram uma trama onde as virtudes se misturaram com os vícios. Mas publicado, o livro escapou da mão do autor, pertence ao mundo.

E é, então, o momento do vazio do escritor, angustiado pela necessidade de produzir mais... será ilimitada a criatividade?

Poucos autores gostam tanto de falar do seu ofício como António Lobo Antunes. Da necessidade de escrever e das angústias e penas desse trabalho, mesmo que, para ele, a fonte da inspiração ainda não tenha secado. É um extracto desse misto de desabafo-confissão que transcrevo.



"Hoje, dia um de Novembro de dois mil e oito, sábado às treze e dez, acabei a primeira versão do livro, o que sifgnifica que falta escrever tudo não mencionando o trabalho de corte e costura e o frete do professor de Português a corrigir um teste que não lhe agrada até ficar em paz com ele. Depois batem no computador, emendo, volta ao computador, torno a emendar e andamos meses nisto. Ao achar-me contente com o material emendo mais, ao achar-me muito contente emendo ainda, ao achar-me feliz desconfio, ao achar que consegui aquilo que pretendia segue para a máquina e publica-se. A partir desse momento deixa de pertencer-me e começo a esquecê-lo. Ao esquecê-lo de todo principia a longa espera do livro seguinte: virá, não virá? Até agora tem vindo. O medo que não venha, o pavor de haver secado. Rapei o fundo à panela, acabou-se. E a pergunta angustiante: no caso de se ter acabado o que será de mim? Como viver com estas vozes, esta necessidade estranha que desde os sete ou oito anos é a minha razão e o meu sentido? Nunca pensei publicar, aconteceu por acaso, o que me interessava era escrever. (...).


António Lobo Antunes, Crónica com um sorriso no fim in Visão, 4 Dezembro 2008.

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