Para mim, o calendário funciona como uma campainha. Cada dia é um toque a indicar deveres e a avivar memórias. Às vezes, estas sobrepõem-se ao presente como aconteceu hoje.
Lembrança deste dia no ano de 1951 quando o meu avô Francisco, saindo do hospital em Lisboa, regressou a casa para morrer. Era já noite e, embora sendo criança ( ou talvez por isso ) lembro-me bem da confusão vivida nesse momento: a ambulância parada, piscando e os movimentos rápidos e silenciosos dos bombeiros e do enfermeiro de bata branca que segurava um balão de oxigénio...
E, passadas poucas horas, o meu avô falecia na sequência da insuficiência cardíaca que o tinha levado ao internamento no Hospital de Santa Marta. Repetidas vezes, ouvi contar esses momentos finais do meu avô que, pedindo mais oxigénio, recomendava aos filhos que fossem "sempre sérios". Essa preocupação pela honestidade acompanhou-o ao longo de toda a vida e creio que os filhos souberam sempre respeitar o seu pedido.
Gostava muito do meu avô que todos consideravam um homem recto e bondoso. Das histórias que contava pouco recordo, ainda que as conheça de cor, tantas vezes os meus pais e tios as referiram. Pessoa respeitável que nunca precisou de levantar a voz para se impor, embora gostasse muito de conviver.
Quis deixar esta mensagem para que os mais novos saibam alguma coisa do avô, dado que a maioria dos meus primos nasceu já depois da sua morte. Lembrar uma herança que nunca se esgota, a honestidade no trabalho e na palavra: valores mais importantes que uma grande fortuna.
Mais tarde, percebi que o meu avô teve a melhor assistência possível no hospital, onde pontificava um médico famoso, o Professor Eduardo Coelho. À distância do tempo, creio que os recursos actuais da medicina talvez lhe pudessem ter prolongado a vida!
E hoje, quando já passei a idade do meu avô, graças ao crescente aumento da esperança de vida, apetece-me "parar para balanço". Que valores deixo à minha família? Será que soube cumprir a vontade do meu avô? E, por outro lado, que afecto mereço dos mais novos?
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