quarta-feira, 2 de julho de 2008

José Saramago



Nem sempre os amigos coincidem nos gostos e daí que, de vez em quando, parta só à descoberta de um museu ou de uma exposição.

E assim aconteceu ontem: Palácio da Ajuda, "José Saramago - a consistência dos sonhos", uma exposição tecnica e esteticamente bem conseguida. Mostra de um vasto campo documental que, a par e passo, segue o percurso de Saramago, desde a Azinhaga-natal, "terra plana e lisa como a palma da mão", até aos lugares de afirmação e consagração do escritor.

O suporte audio-visual facilita o conhecimento do homem e do escritor. Imagens que sobrepõem a passagem dos dias de Saramago e do passado recente de Portugal...e, naturalmente, também de todos nós! Agradou-me, pois, essa retrospectiva que, sendo já "história", serviu para lembrar coisas, pessoas e lugares...
Devo confessar que, embora não seja uma admiradora incondicional de Saramago, gosto muito de algumas das suas obras. Distingo, de modo particular, o Memorial do Convento (a obra que o tornou conhecido do grande público) que, através de um tema original, deu um sugestivo retrato da época de D. João V...
Servi-me do Memorial para animar as aulas de História, não podendo imaginar como esses trechos foram determinantes para o futuro profissional de uma jovem aluna, hoje brilhante investigadora na área das Ciências Sociais. Influência publicamente assumida, como confessa na introdução da Tese de Doutoramento...

Fechando parentisis, regresso à exposição. Registos do trabalho árduo do escritor, objectos do seu quotidiano, imagens da vida familiar e também momentos de consagração. A grandeza do cerimonial da entrega do Nobel em 1998 e aquela parede-montra de todos os títulos publicados e respectivas traduções!...

Tantos reflexos da obra e do homem, desde a Azinhaga a Lanzarote.
Entre todos, retive um pormenor, uma das suas últimas entrevistas. Falava-se da morte e José Saramago recordava a avó. Mulher simples que, aos 90 anos, afirmava: "O mundo é tão bonito!" E por isso, dizia ter muita pena de morrer!... Interpretando as palavras da velha senhora, explicava que "essa pena" resultava do facto de "não estar" para presenciar o futuro...
Partindo da sabedoria da velha camponesa, fica esclarecido o ciclo da vida que, afinal, parece resumir-se a dois tempos verbais: o presente de estar (enquanto se vive), e o passado do mesmo verbo (quando chega a morte).
Sem dúvida, é por esse gosto de "ver o mundo" (pessoas e coisas) que o homem resiste à doença, agarrando os frágeis fios que o ligam ao presente. É sempre a busca para prolongar horas aos dias de vida... Saramago conhece o segredo! Que viva por muitos anos!

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