Tudo muda, tudo se transforma, mas há estruturas mais resistentes que outras. As mentalidades entram neste caso, porque os costumes, as maneiras de pensar e as regras sociais não se podem mudar por decreto.
De todo o lado, surgem obstáculos: da família, do meio socio-profissional e cultural. São regras seculares que formam um complexo socio-cultural que, inculcadas ao longo de gerações, resistem a qualquer alteração. Da dicotomia entre a imobilidade e a lenta e gradual alteração configuram-se situações de conflitualidade e até de guerras, as quais podem ser comprovadas pela História e pela observação da realidade presente.
A este respeito achei interessante trazer o depoimento de Wenceslau de Moraes acerca da condição da mulher japonesa. Proponho a sua leitura, onde facilmente se revela a posição do autor.
"No Japão não medra o feminismo, apenas alguma rara dama nipónica excêntrica, educada em em qualquer universidade da América, vem de quando em quando para a imprensa enfastiar-nos com os futuros destinos das suas compatrícias. O japonês, como todo o oriental, mas talvez mais do que os outros orientais, nutre um alto orgulho de si mesmo, considerando seu inferior o ente feminino. Ele é o chefe da família, ele é o dirigente, ele é o rei; a mulher obedece-lhe. Dever ver-se nisto, principalmente, a consequência de uma organização especialíssima da família nipónica, em que a importância do indivíduo é sacrificada à importância da pátria, os sentimentos íntimos sacrificados aos sentimentos cívicos, o bem de um sacrifícado ao bem de todos.
O japonês não reconhece na sua companheira energias de inciativa e lucidez de raciocínio capazes de labutarem a par das suas. A mulher é primeiro que do que tudo um ser docemente fraco, carecendo do amparo varonil em todas as fases da sua existência. Assim é que um dos mais antigos preceitos da moral indígena impõe à mulher obediência a seu pai ou a seu irmão enquanto solteira, a seu marido no estado de casada, e a seu filho mais velho quando viúva. O japonês ama a mulher como ele e nós amamos as crianças, acentuando sempre nas suas relações de convívio um sentimento de protecção e de cariciosa autoridade.
O marido trata a mulher por tu, ela dá ao marido o título de senhor. O japonês ocupa o primeiro lugar em qualquer parte, a esposa o segundo; na rua ele caminha em frente, ela segue-lhe os passos; uma merca que se faça, um volume qualquer embaraçoso, é a mulher que se ocupa dele, deixando ao esposo os movimentos livres. É isto que, à primeira vista, mais surpreende o europeu, quando pousa os olhos na família na família nipónica; mas não vos parece que estas regras exteriores, filhas dos costumes, do hábito, nada podem traduzir com respeito ao grau de afectos entre o marido e a mulher?"
Wenceslau de Moraes, Cartas do Japão, 17 Maio 1905 in A Vida Japonesa
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