Simone de Beauvoir, num sombrio livro sobre a Velhice, fala de um peso insuportável e afirma que ela é uma triste paródia da vida. Cícero, em De Senectude, aconselha, para a viver, uma mistura de apego e de renúncia à vida.La Rochefoucault lembra que os velhos gostam de dar bons conselhos para esconder que já não estão em estado de dar bons exemplos. E Vergílio Ferreira falava da velhice como do lugar de um grande confronto do homem consigo - com a memória, a liberdade, a finitude. (...)
Tenho amigos que para quem a velhice tem sido o encontro com um novo Eu: mais lento, mas mais sábio; mais prudente, mas mais atento. Outros, porém, enrolam os pés nela como numa passadeira rota: tropeçam, caem, partem o rosto. Como noutras situações, noutros riscos, noutros desafios,há quem saiba e quem não saiba fazer-lhe frente. (...)Sem os vermos, estamos cercados de idosos de sorriso triste e mãos frias a acusarem-nos. A sociedade do êxito e da competição trocou a experiência pela velocidade, a sabedoria pela pela informação, a visão pela imagem - divinizou a juventude e expulsou a velhice para os lares que cheiram a urina e a morte. (....)
Mas houve um mundo em que a velhice era a idade da atenção e da escuta. No nosso, é o tempo do esquecimento e do vazio. Agora, fazemos da longevidade a nossa mais apurada forma de crueldade. Quanto mais ela aumenta, maiores são a indiferença e o desprezo pelos que duram. Todos os dias sabemos histórias de crueldade e abandono que aterrorizam, mas calamos. Como sempre, há todas as explicações para elas. Diz-se: "A culpa é da vida. As pessoas têm de trabalhar e não podem tomar conta dos velhos." A culpa é da vida! E é de todos nós, que, diariamente, fazemos da vida o que ela é.
José Manuel dos Santos, Actual, Expresso, 10/05/08
Nota - Gostei tanto desta crónica que não resisti a fazer a transcrição de alguns excertos. Espero que o Autor não se importe!
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