"Façam favor de ser felizes", frase que Raul Solnado gostava de repetir sempre que terminava um
sketch e que, no passado dia 8, poderia ser tomada como despedida. Mensagem reveladora do Homem bom que fez do humor um instrumento de entretenimento, de crítica e de optimismo. E por tudo isso lhe ficamos gratos!
Quando morre alguém das minhas relações fica-me um sentimento de perda e de saudade, um estado de alma que, por vezes, se estende também a uma figura pública. É o caso de Raul Solnado, cuja memória as reportagens televisivas avivaram num cruzamento de imagens e lembranças das nossas próprias vidas. Data do início da década de 1960 a primeira vez que o vi em palco, no Teatro Avenida (um dos muitos teatros consumidos pelo fogo em Lisboa). "É do Inimigo?", uma estória em forma de telefonema que surgia na sequência da "guerra de 1908". Ar ingénuo, misto de menino envergonhado e malandro que sublinhava as palavras com uma mímica expressiva. O público gostava e rompia em gargalhadas sonoras e palmas que o Actor sabia gerir como ninguém, fazendo pausas para logo retomar...
Possuidor de enorme talento e sensibilidade, Raul soube manter uma postura humilde ao longo da carreira. Trabalhou no teatro, na televisão e no cinema e em todos os géneros granjeou aplausos e carinho do público de qualquer condição. Representou e cantou, cultivou e foi mestre no género stand-up, triunfou na comédia e desempenhou papéis dramáticos. Mas indubitavelmente que para a sua fama e popularidade muito contribuíu a televisão (ao tempo canal único) com Zip-Zip em 1969.
Os maiores de 50 anos recordam bem como familiares e amigos se postavam frente ao televisor à segunda-feira, à noite, para assistir ao programa que marcou pela novidade e capacidade criativa. Raul multiplicava-se em diversas personagens que tinham como interlocutores Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Nessa época que ainda não conhecia o vídeo, o programa era em directo e ninguém desejava perder pitada, daí a coincidência entre o consumo de água e os intervalos do programa quando aumentava o número de idas à casa de banho.
Coisas de um tempo que os jovens de hoje dificilmente compreendem. Registos de quarenta anos, lembranças de pessoas e acontecimentos. E assim, sem ruído, lenta e suavemente passam(ram) os dias e nós, envelhecendo. Curiosamente é da velhice que guardo a última imagem do Actor. Aconteceu há uns dez anos, num dia de Verão, na Avenida Marginal de S. Martinho do Porto. Ao cair da tarde, abraçando Leonor Xavier, Raúl caminhava...