sexta-feira, 29 de junho de 2012

Cartas de amor e Maria Barroso

Todas as cartas de amor são ridículas. escreveu Fernando Pessoa. Não se esqueceu, porém, de acrescentar essa inevitabilidade: " se há amor têm de ser ridículas. " Carinho e ternura postos em cada coisa, cada palavra, cada imagem. Evocação acompanhada de gestos que, sendo invisíveis, transmitem a força dos sentimentos.

Hoje escrevem-se poucas cartas de amor. O telefone, os sms e os emails substituíram a folha de papel que chegava quando chegava. Dias ou semanas de um serviço de correios demorado, uma lentidão exasperante quanto o eram as vias e meios de transporte. Lembro-me sempre das cartas em tempo de guerra e, falando em casos mais mediáticos, recordo as longas missivas de António Lobo Antunes. Retrato de um amor separado pelas circunstâncias da guerra em Angola. Outro caso de uma outra geração: Mário Soares e Maria Barroso. O casamento ocorreu quando ele estava preso no Aljube e, passados vinte anos, a política separava-os de novo. Preso em Caxias no Natal de 1967 , Mário Soares contava com o amor de Maria e solidariedade dos amigos. Quase 20 anos de casamento contados numa carta de amor, onde o quotidiano e a ternura coexistem.

O Sol publica as Cartas que vale a pena conhecer.

Meu Querido Amor

Senti tanto a tua falta hoje – em quase 20 anos de casados é a primeira vez que passamos separados esta noite. Separados materialmente, claro, porque nunca, nunca deixaste o meu pensamento, meu Querido.

Tivemos a D. Eugénia e o marido [Joaquim Jacobetty Rosa] para jantar connosco. Comemos uma canjinha e um pouco de peru, daquele de que eu cortei as fatias do peito para te levar e que eu própria preparei. Portámo-nos todos à altura, embora sem festas nem saúdes. Tu estavas bem presente no pensamento de todos nós – para quê fazer saúdes? Foi um jantar simples, como qualquer outro. Teria sido, como tem sido sempre, um jantar de festa se tu estivesses. O Pai esteve bem, distraiu-se a conversar e por volta das 11 horas foi-se deitar.

Ainda apareceram os nossos afilhados para nos darem um abraço e trazerem um presente à Isabel.

Mas eu, meu querido, eu que não quero que ninguém me veja senão de olhos enxutos e cheia de coragem, afastei-me um pouco por volta das 10 e 1/4, 10,30 e pensei em ti com uma intensidade tal que tinha a impressão de que o meu coração pulsava em todo o meu corpo – era um bater tão forte que a minha cabeça parecia uma caixa de ressonância. Pensei em ti com toda a força – passei as minhas mãos ternamente pelos teus cabelos e fechei-te os olhos com um beijo tão cheio do meu Amor – que tu deves ter sentido a minha presença junto de ti. Disseste-me que às 10,30 adormecias e eu quis estar só nesse momento em que pensei que te deitavas e adormecias. Para te acompanhar, para pensar que não estavas tão só nesta noite que foi para nós sempre uma noite de família em que nunca nos separámos. Foi tanta a intensidade com que pensei em ti, sozinha, que quase se tornou palpável a tua presença junto de mim – as pancadas do meu coração eram tão fortes que eu tinha a impressão de que sentia o teu próprio coração bater com o meu. Acredita, meu Amor.

Podem separar-nos, arrancar-te fisicamente de junto de nós como o estão fazendo agora. Mas há uma coisa de que eu estou segura e de que tu podes ter a certeza – eu estarei sempre contigo, meu Querido! Sinto-me de tal modo identificada contigo, todos estes anos em que caminhamos juntos estão tão repassados de Amor, de ternura, de compreensão, que é impossível separarem-me de ti – eu estarei sempre onde tu estiveres. «Não há machado que corte a raiz ao pensamento» diz um poema [de Carlos de Oliveira] e é verdade! O pensamento atravessa as grades mais fortes, não conhece paredes nem montanhas e vai para onde nós quisermos... ainda! Por isso podem as grades ser fortes, as paredes espessas, as distâncias enormes que eu estarei presente onde estiveres, sobretudo se te sentir só, como agora, injusta e incrivelmente só.

Não sei se conheces uns versos lindos de uma poetisa nossa amiga [Sophia de Mello Breyner Andresen], que diz:

«Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para enfrentarmos juntos o temor da morte

Para ver a verdade, para perder o medo

Ao lado dos teus passos caminhei!».

Esses maravilhosos versos dizem bem o que eu te poderei dizer de uma maneira mais desajeitada.

Os beijos mais amigos dos teus Filhos, Pai e Tio Nobre. Abraços, muitos abraços de toda a família e amigos.

Para ti sempre toda a minha ternura mais profunda e os beijos mais carinhosos.

Sempre tua

Maria de Jesus"

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Guilhermina Suggia, a violoncelista



Passar pelo site de genealogia pode servir para avivar a memória acerca de personalidades esquecidas. Não é bem o caso de Guilhermina Suggia que nasceu neste dia no ano de 1885 no Porto. De ascendência italiana, cedo manifestou os dotes musicais que dela fizeram uma violoncelista de referência mundial.

À formação ministrada pelo pai seguiu-se o estrangeiro e a influência dos grandes mestres. Ainda em Portugal conheceu Pablo Casals que com ela manteve um agitado relacionamento afectivo. Entretanto, a Europa curvava-se ao talento de Guilhermina, a "Paganina" como muitos lhe chamavam. Haia, Bremen, Amesterdão, Paris, Mainz, Berlim, Bayreuth, Praga, Viena aclamaram-na, tal como outros palcos na Suíça, Rússia, Roménia e Inglaterra. Viveu em Londres a última etapa da sua carreira internacional. Aí foi retratada por um pintor que soube registar com mestria os traços da sua forte personalidade.

Mais tarde, em 1924, Guilhermina preparou o regresso ao país. Casou com um médico português e viveu na sua terra-natal até ao fim dos seus dias. Morreu no Porto no dia 30 de Julho de 1950.

terça-feira, 26 de junho de 2012

A música acontece




Apetece ouvir música sem palavras, deixando voar a imaginação...

O Menino do pijama listrado



Uma história que, sendo ficção, reproduz o ambiente dos campos de concentração durante a II Guerra Mundial. Tempo que não pode ser esquecido, particularmente quando os totalitarismos recrudescem.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

La Donna è mobile




Registo de um trio irrepetível. Ah! se fosse possível regressar ao passado e assistir, cantarolando esta Donna è mobile?!...

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Matar a sede!!

Vilmos Aba-Novak (15/3/1894-29/9/1941)

Alegremo-nos com a vitória de Portugal



Aplicação e engenho de uma equipa. Neste Portugal-República Checa, Cristiano Ronaldo voltou a entusiasmar, marcando um golaço. Acabado o jogo, a festa desceu à rua com buzinadelas, cânticos e bandeiras!!! Haja alegria e venha o próximo jogo! Precisamos de alegrias destas para contentamento dos nossos corações!!

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Economistas para quê?

A ênfase da pergunta corresponde, de certo, ao sentir do povo. Cansados de tantos comentários e opiniões de economistas, os portugueses interrogam-se acerca do estado do déficit. Prevendo-se mais dificuldades no cumprimento do memorando, há já quem avance novas medidas. Não será difícil adivinhar...um imposto extraordinário. Contributo de solidariedade ( o nome sensibiliza mais o patiotismo) é a proposta que Cadilhe defende com tal veemência que será difícil o Governo recusar. É só mais um a acrescentar aos impostos e sacrifícios existentes...

Entretanto, reformas e cortes nas despesas continuam no limbo. E tanta coisa poderia ser feita a nível de fundações, observatórios, gabinetes, empresas estatais e autárquicas, etc. etc. Este desabafo ganha mais expressão quando o povo toma consciência das alterações do quadro Judiciário do País. À ameaça de extinção dos tribunais respondem algumas câmaras com o encargo das despesas de manutenção de funcionamento, exceptuando os ordenados. Parece razoável aceitar a "oferta" que, não lesando o Estado, garante mais segurança às populações.

Por tudo isto, acabo como comecei. Para quê haver economistas se estes não conhecem outras propostas senão as de aumento de impostos?

terça-feira, 19 de junho de 2012

Recordando Gal Costa



Vale sempre a pena regressar aos grandes intérpretes da música brasileira. Dessa geração de ouro, recorda-se Gal Costa . Em "Um dia de domingo" , grande êxito do final da década de 80, canta com Tim Maia (1945-1898), um dueto irrepetível...

domingo, 17 de junho de 2012

Final da Primavera

Camille Pissaro, 1870, Paisagem nas proximidades de Louveciennes


Uma tela de Pissarro adequada a este último domingo de Primavera que teima em esconder o Sol.

sábado, 16 de junho de 2012

Destino da Europa marcado pela Grécia?


Hoje a Europa põe os olhos na Grécia. Expectante nas eleições e do que daí possa resultar para o futuro de todos nós. É um sentimento de temor que ameaça confundir-se com pânico. Perigo de contágio a todos os Estados, ainda que em diferentes graus. Falhanço de um projecto para a Europa que aparece irremediavelmente dividida.
Não se vislumbram políticos corajosos e inteligentes para alimentar sinais de esperança. Só o receio do dia seguinte emerge pela ressonância dos mass media. Ameaças, opiniões e prognósticos de um destino inexorável que o coro da tragédia grega ( ou não se falasse da Grécia) comentava e vaticinava.


Enquanto isso, fixemo-nos na tragédia grega, aqui representada na imagem do Teatro do Epidauro. Por aí passavam os grandes temas do quotidiano da polis, problemas emocionais e psicológicos dos homens e dos deuses. Objecto de reflexão dos cidadãos de outrora, valores que assumiram a universalidade dos valores do homem, do confronto entre a liberdade e o destino.
Quem dera que neste regresso ao teatro grego pudesse residir a preservação da liberdade, ou seja, da Europa...

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Será que o polvo acerta?

Hoje é o dia do tudo ou nada. Portugal terá de vencer a Dinamarca se quiser alimentar esperanças. Joga-se a segunda parte e, dado que estamos a ganhar, apetecia que o tempo voasse até ao minuto noventa. Até lá é sofrer, esperando desfazer o prognóstico de Paulo, o polvo. Crença mais parva e de mau gosto esta do nome. Paulo (Bento) é o treinador que só quer a vitória...

Para confirmar ou desmentir o prognóstico do octópode, copio a notícia da Internet.


"Hoje foi dia de mais uma previsão do polvo adivinho do SEA Life Porto. O Paulo, nome pelo qual é conhecido, mostrou-se algo reticente na hora de escolher entre Portugal e Dinamarca, mas acabou por mais uma vez “adivinhar” uma derrota lusa.

Após uma previsão acertada relativamente ao jogo anterior, em que a Alemanha saiu vitoriosa, é de temer esta nova premonição.

À semelhança do seu primo Paul, que brilhou no Mundial2010, o polvo Paulo tinha à sua disposição duas caixas com comida, devidamente representadas com as bandeiras portuguesa e dinamarquesa.

Depois de andar alguns minutos longe das caixas, o animal marinho acabou por ir comer o caranguejo do lado dinamarquês.

O jogo Portugal - Dinamarca está marcado para esta quarta-feira, a partir das 17 horas."

terça-feira, 12 de junho de 2012

Liberdade

Fernando Pessoa ( Almada Negreiros, 1954)


Liberdade, prazer e direito que todos prezamos. Poema de Fernando Pessoa, poeta nascido em dia de Santo António do ano de 1888 em Lisboa. Associação feliz de duas insignes personalidades que traduzem o sentir do povo desta cidade que hoje se alegra...



Liberdade



Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

domingo, 10 de junho de 2012

Camões, um símbolo da Pátria

In memoriam de Maria Keil

Maria Keil, auto-retrato, 1941








Maria Pires da Silva ou Maria Keil, como ficou conhecida, faleceu hoje. Nasceu em 1914 e, em 1933, casou com Francisco Caetano Keil Coelho do Amaral (1910-1975), arquitecto conhecido e neto de Alfredo Keil. À sua formação artística acrescentou os contactos com os centros do modernismo em Paris quando acompanhou o marido durante a criação do Pavilhão de Portugal na Exposição de 1937.


Artista multifacetada, Maria experimentou muitos géneros: pintura, desenho, ilustração, design gráfico, cerâmica, cenografia e cartões para tapeçaria. Para as estações do metropolitano de Lisboa, em 1959, produziu os azulejos que contribuíram para rectivar a quase arruinada cerâmica da Viúva Lamego. Digno de registo são também os trabalhos para a Pompadour, conhecida loja de lingerie na Baixa de Lisboa. Escreveu e ilustrou livros para crianças e para adultos. Colaborou na ilustração de contos infantis de Matilde Rosa Araújo e Sophia de Mello Breyner, tais como O Palhaço Verde e Noite de Natal. Imagens que, de certo, persistem ainda na memória das crianças das décadas de 1960/70...
Ilustradora de revistas várias ( Seara Nova, Vértice, Crer e Ver, e Eva), Maria Keil será sempre recordada pela modernidade do traço. Para quem teve a sorte de a conhecer fica a memória da simplicidade e bondade da Artista e da Mulher...

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Corpo de Deus, um feriado suspenso ou extinto?

O Governo exigiu e a Igreja aceitou a redução de dois feriados religiosos. O primeiro será o Corpo de Deus, embora o anúncio oficial registe uma suspensão por cinco anos. Ora, já todos sabemos como acabam estas promessas...


Por isso, o meu desabafo neste dia de despedida. De um dia de festa em Lisboa e em muitas localidades do país. É na capital que tem lugar a maior e mais solene procissão que chama muito povo e congrega autoridades e organizações religiosas e civis. Admito que tal manifestação religiosa pode oferecer leituras diferentes a crentes e não crentes. Mas já ninguém se atreve a negar a relevância cultural de uma festa que, desde a sua origem, obteve o apoio do do rei e a devoção do povo em Portugal.
Comentários para quê?! Tanta falta de sensibilidade política para a cultura já não espanta...



"Uma das mais antigas procissões de Lisboa, a do Corpo de Deus, foi instituída pelo Papa Urbano IV em 1264. Portugal foi um dos primeiros países a aderir à solenidade e em Lisboa, já se fazia a procissão no reinado de D. João I (1385-1433), sendo já conhecida pela pompa e pela imponência que manteve ao longo dos séculos, conjugando-se o manto real das majestades com as fardas das altas patentes do exército e da armada, ao mesmo tempo que o povo se juntava para ver a imagem de São Jorge.Sempre em Junho, a festa tinha o seu início no Castelo de São Jorge, onde a imagem do santo era colocada sobre um cavalo e percorria as ruas da cidade guardada pelo seu pajem e pelo seu escudeiro, o "homem de ferro", que segurava o estandarte de São Jorge, o padroeiro da cidade e defensor da fé cristã. Geralmente, o escudeiro era um soldado da cavalaria, designado para vestir a pesada armadura e para zelar pelo ouro e pedras preciosas que revestiam o chapéu e os trajes de São Jorge. Os criados do Paço ajudavam no transporte do santo, ao mesmo tempo que trombetas e tambores eram tocados, acompanhando a procissão.
Procissão do Corpo de Deus a sair da Sé de Lisboa, Joshua Benoliel, 1908, Arquivo Municipal de Lisboa, AFML - A3805
Quando o cortejo chegava à Catedral, era celebrada uma missa onde o Cardeal Patriarca elevava a custódia (corpo de Deus), aos presentes e a preparava para que, finda a celebração, emergisse à porta da igreja sob um mágnífico pálio, rodeado por Suas Majestades e pela nobreza, formando-se a procissão, no qual o rei e os infantes tomavam uma das varas (geralmente a primeira da direita), sendo as restantes destinadas ao Presidente do Senado da Câmara e à antiga nobreza.A procissão prosseguia o seu caminho passando pela Igreja de Santo António e pela Madalena até à baixa, percorrendo as suas principais ruas de onde partia para regressar de novo à Sé.
Anualmente, a festa do Corpo de Deus é celebrada em Portugal e em Lisboa, hoje em dia, a procissão parte dos Paços do Concelho no Largo do Município, onde é celebrada missa e dirige-se para a Sé Catedral."

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Inês de Castro, história e mito



Inês de Castro, um tema nunca esgotado. Realidade e mito traduzidos em diversos géneros em Portugal, na Europa e ... no Mundo.

Confrontar a pesquisa e a produção artística é também atravessar o tempo da História...de cada época que vê e reproduz o passado à luz do seu presente. Uma perspectiva historiográfica que poderá tornar ainda mais aliciante a temática "Pedro e Inês".