terça-feira, 28 de julho de 2009

Morte e Vida Severina


Quando somos jovens e felizes nem sempre pensamos no sofrimento dos outros, daqueles que pouco ou nada possuem. Mais do que egoísmo da juventude, esta atitude responsabiliza os adultos que, criando um ambiente superprotector, minimizam ou escondem a miséria que grassa pelo Mundo.

Passou-se comigo. Ao tempo os valores da solidariedade, que o modelo de educação preconizava, pouco sentido crítico exigiam dos jovens. Sem uma atitude reflexiva gera-se uma educação distorcida, alheada das reais causas dos problemas sociais. E assim, como diria o senhor de La Palisse, a superficialidade leva ao prolongamento da adolescência e ao tardio amadurecimento.
Foi isso que aprendi aos 18 anos, acabada de entrar na Faculdade quando os professores nos tratavam por "senhora dona...". Então, um deles recomendou-me a leitura de Vidas Secas. Li e, então, compreendi a "receita para o amadurecimento". Graciliano Ramos e a vida errante dos desalojados pela seca do Nordeste, uma temática retomada por João Cabral de Melo Neto em Morte e vida Severina. É um passo dessa obra brilhante que aqui deixo.


RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

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