sexta-feira, 11 de junho de 2010

Sarah Afonso

Sarah Afonso, Casamento (1949), Lisboa, CAM

O quadro insere-se na última fase do percurso de Sarah Afonso como pintora. É, talvez, a mais conhecida e sugestiva obra da Artista, onde se destacam: o carácter modernista e poético da composição, a variedade cromática, a ingenuidade do desenho, o ambiente minhoto através de elementos culturais e o simbolismo do tema.

A obra associa três cenas, dispostas em três planos. Em primeiro lugar, o casamento propriamente dito; a banda de música (que alegra festas e romarias) e, mais além à esquerda, a casa e uma junta de bois ( a calma rural e o trabalho quotidiano).

Distribuição harmónica da composição, cujo eixo está centrado nos noivos. Em pose sob um um arco de arraial minhoto de configuração simétrica ( dois leões e decoração geometrizada de papel colorido) que remata em duas bandeiras nos mastros laterais e por uma estrela do mar no mastro superior. .

A "foto" de casamento envolve-se num ambiente pitoresco de inspiração minhota que, além do "cenário", se traduz nos elementos decorativos do véu e do vestido da noiva.

A ausência de perspectiva faz recair a atenção no "retrato familiar" de casamento em que se representam as figuras humanas como bonecos, tal como os que produziam os barristas minhotos. Pitoresco e ingenuidade por opção, uma vez que Sarah possuía uma boa técnica no desenho com provas dadas nas Maternidades e Retratos. No Casamento vislumbra-se uma certa influência modernista de Almada: os rostos, os olhos rasgados, as pernas e a posição dos pés.

Quanto ao cromatismo dir-se-á que corresponde ao "universo das cores" da Artista, já anteriormente utilizado nos retratos dos filhos: o predomínio do azul e uma paleta de vermelho ( a luz e as sombras do Minho).

O tema pode ter sido surgido da observação de "casamentos no Minho", uma memória dos tempos de infância e das férias que, depois de casada, desfrutou em Moledo. Mas também poderá interpretar-se como um símbolo do amor. A noiva, à esquerda, mantém-se ligada aos pais, através de uma âncora que toca o braço da mãe. Depois, o par à direita do noivo que sugere o próprio casal Sarah-Almada: o rosto dele (semelhante ao Auto-Retrato de Almada) lembra também o Retrato de Família executado por Sarah Afonso. Para reforçar esta interpretação acresce ainda a maneira menos formal desta figura masculina (bem à maneira de Almada) e as crianças, retratadas como um par de bonecos, poderiam simbolizar os filhos de Sarah ( a filha é sempre loura).

O estilo de Sarah Afonso está bem patente nesta obra. O tema, o desenho, os elementos decorativos e a composição cromática definem a a Artista que soube associar a modernidade do traço e da cor com os valores familiares e do património cultural. Optando pela ingenuidade da representação, associa elementos da cultura cristã com o maravilhoso da imaginação. Aqui ingenuidade não significa simplismo, antes alegria e evasão. É a sensibilidade e inteligência transpostas para uma criatividade que espelha o optimismo de quem é feliz ou pretende sê-lo!

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