segunda-feira, 10 de maio de 2010

Rainha D. Leonor

Rainha D. Leonor, José Malhoa (Museu Malhoa, Caldas da Rainha)


Na sequência da visita à exposição "Casa Perfeitíssima, 500 anos da Madre de Deus", mosteiro fundado por D. Leonor, deixo algumas notas biográficas da Rainha, que no dizer do cronista, foi "a mais Perfeita que nasceu no Reyno de Portugal".

Praticamente desde o nascimento, no dia 2 de Maio de 1458, estava destinada a reinar, por vontade de D. Afonso V, seu tio. Bisneta de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, Leonor era filha de D. Fernando, Duque de Viseu e Condestável do Reino, e de D. Beatriz, filha de D. Afonso, primeiro duque de Bragança. Representando duas importantes linhagens da dinastia de Avis, Lencastre e Bragança, a Infanta cresceu entre os afagos e a educação do meio aristocrático.

Recebeu uma educação esmerada e dela apontam os cronistas a “formosura rara” e o carácter virtuoso que, desde a infância, cultivou. Ao mesmo tempo que assimilava os princípios da espiritualidade cristã, adquiria também as noções básicas das “sete artes liberais” (trivium e quadrivium). Instruída na prática de lavores, não descurava também os jogos e diversões próprios da sua idade e condição. E, dadas as circunstâncias do casamento precoce (Leonor contava 12 anos e João, 15), pode mesmo considerar-se que os Príncipes cresceram juntos e assim se formaram para o “ofício” que os aguardava. Anos de preparação que, de certo, não ignoraram as obras de D. Duarte (avô de ambos), delas extraindo importantes lições. Do Leal Conselheiro, “abc para damas e cavaleiros”, receberam os princípios de formação moral e no Livro de Ensinança de Bem Cavalgar Toda a Sela, as normas de educação prática que, além da destreza, fortalecem a vontade e o carácter.

Noblesse oblige e aos Príncipes exige-se o dever de representação do poder, isto é, a atitude e comportamentos adequados aos actos públicos, seja de natureza política, religiosa ou de diversão. Imagem do “bom príncipe” que D. João II confirma, ora aparecendo como um justiceiro impiedoso e, noutras ocasiões, compassivo e capaz de se humilhar e penitenciar. Esses mesmos princípios e valores revelam-se em D. Leonor, cuja personalidade reflecte o ambiente e circunstâncias que envolveram a sua vida. Nascida e criada para ser rica e feliz, nem sempre foi, todavia, bafejada pela sorte.

Ainda mal tinha assumido o estatuto de Rainha viveu o drama da justiça régia, condenando á morte seu cunhado e irmão, os Duques de Bragança e de Viseu. Maior provação aconteceu com o acidente que, em 1491, vitimou o seu único filho, o Príncipe D. Afonso, um desgosto que chorou em comunhão com o Rei, seu Esposo. Porém, o complexo problema da sucessão ao trono acabaria por azedar as relações entre eles, uma vez que D. Leonor nunca desistiu de fazer valer o direito de seu irmão. E assim aconteceu em 1495, pelo falecimento de D. João II, cuja memória perdurou como “Príncipe Perfeito”. Inacabado deixava o “sonho da Índia” que D. Manuel I havia de cumprir…

Alçado o novo Rei, D. Leonor passou a ser conhecida como a “Rainha Velha”, um estatuto determinado pelas circunstâncias que, muito cedo, fizeram dela viúva aos 37 anos. O seu rosto conservava os traços de beleza da juventude, mas, doravante os seus interesses haviam de canalizar-se para a prática de obras de beneficência e de devoção.

A criação das Misericórdias e as obras de assistência não eram, todavia, incompatíveis com o gosto pelas letras e pelas artes. Ao mesmo tempo que o Renascimento europeu fazia sentir a sua influência em Portugal, a fama das viagens da Expansão Marítima e da descoberta de novas terras e de novas culturas atraía a curiosidade das elites cultas da Europa. A então recente descoberta da imprensa adquiria uma importância de dimensões ainda incalculáveis. A tipografia seria o veículo de divulgação de obras religiosas e de carácter literário, científico e artístico. O facto não passava despercebido a D. João II que favoreceu a impressão dos primeiros livros em Portugal (incunábulos), uma actividade que a Rainha Viúva continuará a proteger.

Terminou os seus dias em Lisboa no ano de 1525. E, embora, rica e poderosa, penitenciou-se na morte, recusando as honras devidas à sua condição. No chão da Madre de Deus, que tantas vezes pisou, quis permanecer. Não em túmulo grandioso, mas em campa rasa, assinalada apenas por uma simples lápide. A seu lado, a primeira abadessa do Mosteiro, Soror Colecta, e o túmulo de sua irmã Isabel, Duquesa de Bragança.

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