terça-feira, 4 de novembro de 2008

Japão, condição da mulher


Tudo muda, tudo se transforma, mas há estruturas mais resistentes que outras. As mentalidades entram neste caso, porque os costumes, as maneiras de pensar e as regras sociais não se podem mudar por decreto.

De todo o lado, surgem obstáculos: da família, do meio socio-profissional e cultural. São regras seculares que formam um complexo socio-cultural que, inculcadas ao longo de gerações, resistem a qualquer alteração. Da dicotomia entre a imobilidade e a lenta e gradual alteração configuram-se situações de conflitualidade e até de guerras, as quais podem ser comprovadas pela História e pela observação da realidade presente.

A este respeito achei interessante trazer o depoimento de Wenceslau de Moraes acerca da condição da mulher japonesa. Proponho a sua leitura, onde facilmente se revela a posição do autor.

"No Japão não medra o feminismo, apenas alguma rara dama nipónica excêntrica, educada em em qualquer universidade da América, vem de quando em quando para a imprensa enfastiar-nos com os futuros destinos das suas compatrícias. O japonês, como todo o oriental, mas talvez mais do que os outros orientais, nutre um alto orgulho de si mesmo, considerando seu inferior o ente feminino. Ele é o chefe da família, ele é o dirigente, ele é o rei; a mulher obedece-lhe. Dever ver-se nisto, principalmente, a consequência de uma organização especialíssima da família nipónica, em que a importância do indivíduo é sacrificada à importância da pátria, os sentimentos íntimos sacrificados aos sentimentos cívicos, o bem de um sacrifícado ao bem de todos.

O japonês não reconhece na sua companheira energias de inciativa e lucidez de raciocínio capazes de labutarem a par das suas. A mulher é primeiro que do que tudo um ser docemente fraco, carecendo do amparo varonil em todas as fases da sua existência. Assim é que um dos mais antigos preceitos da moral indígena impõe à mulher obediência a seu pai ou a seu irmão enquanto solteira, a seu marido no estado de casada, e a seu filho mais velho quando viúva. O japonês ama a mulher como ele e nós amamos as crianças, acentuando sempre nas suas relações de convívio um sentimento de protecção e de cariciosa autoridade.

O marido trata a mulher por tu, ela dá ao marido o título de senhor. O japonês ocupa o primeiro lugar em qualquer parte, a esposa o segundo; na rua ele caminha em frente, ela segue-lhe os passos; uma merca que se faça, um volume qualquer embaraçoso, é a mulher que se ocupa dele, deixando ao esposo os movimentos livres. É isto que, à primeira vista, mais surpreende o europeu, quando pousa os olhos na família na família nipónica; mas não vos parece que estas regras exteriores, filhas dos costumes, do hábito, nada podem traduzir com respeito ao grau de afectos entre o marido e a mulher?"

Wenceslau de Moraes, Cartas do Japão, 17 Maio 1905 in A Vida Japonesa

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